De
volta a África. Lomé, o mesmo sítio onde, há pouco mais de sete
meses, escrevia sobre estar há meio ano na estrada. Depois disso
ainda voltaria uma segunda vez, contrariamente ao que esperava.
Saindo dessa segunda vez pensava ainda menos que algures em Abril de
2015 aqui estaria. Mas aqui estou, de volta. De volta.
De
volta ao bafo que deixa a pele a reluzir de transpirada, de volta aos
saquinhos de água para beber, a comer com as mãos, a tomar banho
com um baldezinho, de volta a ter de ir a sítios para ter internet,
a deslocar-me com moto-táxis, de volta a dormir com o zunido de uma
ventoinha quando tenho sorte ou o corpo húmido quando não tenho.
Onde
estive estes últimos três meses?
Num
mundo diferente. No meu mundo onde passeei cem dias a fio, entre
reencontros, festas, carícias, viagens, alegrias e frustrações.
Apreciei a estadia, mas era como se nunca fosse eu a cem por cento.
Sim, eu estava ali, e talvez dissesse o que diria de qualquer maneira
ou agisse como fosse agir. Mas sentia-me incompleto. Sentia-me a
meio. Vivi tanto desta viagem que ela entrou directamente em mim,
misturando-se comigo. Como assim foi, deixá-la a meio como deixei
durante três meses fez-me sentir, a mim próprio, a meio.
Quando
lá estava parecia que África tinha sido um agradável sonho vívido
que tinha tido, hoje sinto o mesmo acerca desses três meses. Agora
aqui apercebo-me de como falava de África, contando estórias como
se fossem episódios, deixando tanto daquilo que é preciso ver para
se sentir de fora. Agora aqui, de novo, reparo como falei muito mais
da experiência surreal do Gabão, ou de ter sido detido na Serra
Leoa, do que a minha travessia da Guiné-Conacri, dos meus dias
aparentemente banais em Bissau, da praia de Bureh na Serra Leoa,
daqueles dias a chover na Libéria, da Costa do Marfim, do primeiro
hotel a três euros no Gana, sei lá... todas essas vivências parece
que assumiram um segundo plano perante as mais evidentes. É normal,
eu sei, é normal... um gajo acaba por contar as experiências mais
marcantes, as pessoas assim o perguntam. O que não sei se é normal
é o facto de agora que estou aqui olhar para um mapa ali na sala,
ver os países, e ter todas essas memórias muito mais presentes em
mim, como se me definissem num novo nível, do que quando estava em
Portugal.
Seria
demasiado frustrante estar sempre a recordar-me destes pequenos
prazeres estando num país que deles me afastava? Não sei.
Mas
não quero que isto me aconteça nunca mais. Não quero nunca ter
sentimentos ou memórias dormentes. Gosto tanto de viver que me
atormenta o facto de me esquecer do que senti. Que digo? Falo como se
isso também não me fascinasse.
Quando
conheço um novo amigo e passámos dias em harmonia, sinto que
seremos grandes amigos para sempre. Contudo, ao despedir-me, apesar
de esperar reencontrá-lo um dia, sei que há uma probabilidade de
tal não acontecer. Acho isso bonito. Acho bonito tanto a partilha
fugaz que acaba em nunca mais como um reencontro passados trinta e
seis anos, como um reencontro passado nove semanas. Acho tudo bonito,
só é necessário encontrar a janela que me permitirá vê-lo. Assim
vejo as experiências. Quando as vivo sinto que me vou lembrar delas
para sempre, mas quando parto sei que há uma probabilidade de as
perder algures no meu avanço. Se as retiver comigo elas fundem-se
comigo. Se só me lembrar que existiram sem ter a precisão de
detalhes ou sentimentos, como quem só se lembra do nome de um amigo,
guardo isso, sabendo só algures em mim que foi bom.
Sinto,
e espero que, acabando esta viagem, uma memória geral de grandes
dias vividos se instale em mim. Mas que sei eu, que estou sempre a
ser surpreendido por estas terras vermelhas?
16.00,
s, 11-4-15
Lomé,
Togo
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