Perder fora de
casa é fodido. Já tinha perdido fora de casa. Duas vezes. Mas nunca assim. Em
2010 estava a trabalhar, em Birmingham. Pedi às minhas clientes se podia ver o
jogo à noite. Elas costumavam ver outras cenas quaisquer, tipo Glee ou uma
série sem jeito do género, mas acederam. Afinal de contas era o mundial.
Perdemos 1-0, mas era mais ou menos esperado perder, jogámos bem, perdemos
contra uma grande equipa e, na verdade... não estava fora de casa no sentido
estrito do termo, sendo que estava num ambiente que também era meu.
Em 2012 estava no
mesmo país, dessa feita em Brighton. Tive alguns dias de folga e fui visitar a
Mehreen, que tinha conhecido no Paquistão e que estava no país a estudar ou a
fazer um estágio, algo assim.... Se bem me lembro, dominámos uma parte, a outra
nem por isso. Mas sei que lutámos até ao fim, e perdemos em penaltis. Okay, não
foi nenhuma calamidade. E, mais uma vez, não estava exactamente fora de casa.
Hoje esperava
perder, é certo. Mas não esperava perder assim. Geralmente acho, tal como
qualquer tuga, imagino, que sou bastante hábil em discernir entre justiça ou
favorecimento à nossa, ou à outra, equipa. Hoje tenho uma ideia de que fomos
desfavorecidos. Mas que se foda isso. Fiquei em Sanniquellie mais um dia para
ver a bola. Podia ter pedalado até à Costa do Marfim e arranjado um sítio
qualquer onde a ver. Noventa por cento da probabilidade indica que encontraria
algum lado. Mas em África dez por cento deste género são potentes, pelo que
preferi perder mais um dia aqui para ver o que fazíamos.
Não me arrependi
de ter ficado. Mas perder fora de casa é fodido. “É so bola!”, era o que eu me
tentaria dizer, se não me conhecesse tão bem. É que isto, para mim, é mais que
bola. E não percebo muito bem este meu lado. Curto-o, mas não o percebo. Sendo
eu um rapaz tão lógico e que rejeita tão categoricamente o conceito de
nacionalismo, como é que me deixo afectar com um jogo de futebol?
Talvez haja mais
que uma razão. Uma delas é o simples facto de gostar de sentir. Agora, aqui sentado
no The Porch, no alpendre desta estalagem e bar, com putos sentados na rua à
espera de ver Jesus (eu), com pessoal que foi ficando gradualmente bêbedo e,
eventualmente, a caminho do quarto-de-banho, me diziam que um jogador não pode
fazer tudo, aqui onde vi o jogo a ouvir música dos anos noventa tipo Rod
Stewart, Roxette ou Michael Bolton, aqui onde já vou no meu terceiro litro de
cerveja, sinto-me meio triste, meio abananado, o álcool ajudando, e sei que,
por mais que custe, vale a pena pelos momentos em que me sinto em êxtase quando
ganhamos, por exemplo, nos últimos minutos à Dinamarca e selamos a passagem
para os quartos do Europeu. É uma aposta. Talvez isto tenha o seu quê de
racional, sendo que é, mais ou menos, uma escolha. Se Portugal perdesse sempre
e fosse meio merdoso, poderia escolher marimbar-me para isto, como me marimbei,
mais ou menos, para o Porto. O futebol de equipas já alguns anos que me deixou
para trás. Comprar jogadores, vender jogadores. O elemento que mais me une a
ele é o que me cola completamente à Selecção. O facto de que, não obstante
portista, prefiro que o Benfica ganhe a Liga dos Campeões e o campeonato do que
o Porto ganhe o campeonato e nem um nem outro passe dos oitavos da Liga.
Está à vista que é
Portugal que me compele ao futebol. Mas porquê, se não acredito em nacionalismo? Ah, não sei! É difícil
pensar nisto porque sinto que me dou nós a mim próprio. Vejamos: vergonha ou
orgulho – dois conceitos muitas vezes associados ao país de alguém e que acho
nucleares na análise daquilo de que falo. Só devemos ter um, ou outro, das
coisas que fizemos, nunca de atributos que nasceram connosco, como os nossos
belos olhos, um de cada cor, verde esmeralda e azul oceano lunar. Portanto, eu
não tenho orgulho nenhum em ser tuga. Não foi uma escolha minha.
Mas tenho um amor
enorme!
É verdade, se
tivesse nascido no Irão, ou no Burundi, talvez sentisse o mesmo. Mas há observações
que me deixam a pensar. “Os portugueses tendem a sentir bués de orgulho de
Portugal!”, já ouvi, para lá de uma dezena de vezes, geralmente por um
interlocutor que reparou no brilho dos meus olhos, e no dos outros tugas, ao
falar da velha nação. E isto é estranhíssimo! O que é que nos une assim?
Pois, não tendo orgulho
em ser português, é inegável que sinto um amor enorme pelo país. Pelos pequenos
montes que gostam de brincar às montanhas, pelos vales que nos cortam ao meio,
pelas sete colinas ou pelos sorrisos que se apanham sem querer. E sinto-me
sortudo. Escrevo da Libéria, é claro que tive sorte – tenho muito mais do que
muita gente aqui alguma vez terá. Mas também já vivi na Finlândia, na Noruega,
na Inglaterra e já viajei por algumas dezenas de outros países cujo Chico da Esquina
tem mais do que o Fulano Tuga terá mas que, ainda assim, não curte o seu país
de origem.
Não estamos
sozinhos no amor ao país que nos viu nascer. Mas não há tantos assim. Ah, que
digo? Falo como se toda a gente pensasse como eu. Tenho ideia de que muita
gente sente este apelo que eu sinto, mas talvez esteja aqui num exercício completamente
egoísta em que pego em mim e colo ao país de onde venho.
E agora a quebra
total!
Estava a escrever,
pedi mais uma cerveja. Enquanto arranjava espaço na mesa, puxando o computador
um bocadinho mais para o canto, perdi o ímpeto que me fazia escrever
ininterruptamente. Li tudo o que tinha escrito até então, e vi-me florir. Li o
pouco que escrevi acerca de Portugal, e de repente já não estou triste.
Engraçado, pá! Ah, sentimentos – enigma, sempre! A verdade é que ao escrever
transplantei um pouco aqui que Portugal é para um domínio muito mais do que
futebolístico.
A verdade é que
aqui, na Libéria, sozinho, e em pedais sozinhos há muito tempo, sinto que trago
comigo um país de sentimentos. Um país de uma cultura talvez mais melancólica
do que eu preferiria, que se orgulha de ter uma palavra só sua e que não é
nenhuma palavra alegre, um país cujas algumas partes morreram de velhas a olhar
para o mar à espera, um país que leva pontapés dos outros e, especialmente, de
si mesmo. Trago comigo esse país que é meu.
Sim, se fosse
cipriota ou uruguaio talvez sentisse o mesmo.
Mas sendo
português não há “talvez”.
Gosto.
De tudo o que me fez.
19h19, 2ª, 16-6-14
The Porch, Sanniquellie,
Libéria
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