Meio estremunhado com o sono levantei-me na segunda-feira finalmente
destinado a chegar à Ucrânia. Estudei as minhas hipóteses e fui para a estação
de autocarro, os tais furgões. Mal cheguei entrei logo num. Fechei a pestana e
só voltei a abrir na fronteira. Foi tudo tranquilo, e lá cheguei a Odessa.
Estava um frio tremendo, e meio a tremer fui caminhando rua acima em direcção
ao que me parecia ser o centro da cidade. Ia perguntando ao pessoal mas o
inglês não é uma língua que abunde por estes lados. Mas iá, lá me orientei.
Encontrei um sítio com internet e combinei encontrar-me com o Sergey, o meu
anfitrião.
O gajo não tinha sido nada específico quanto ao nosso encontro. “Eu vou
aparecer em casa entre as oito e as nove, podes esperar no meu pátio, a morada
é esta”. E pronto, lá apareci às oito e estive a gelar até às nove e pico. Mas
‘tá-se bem.
O Sergey não é daquelas pessoas com quem um gajo sai à noite e é uma
loucura e de repente ficamos logo manos. Mas isso não quer dizer que não seja
um gajo fixe, claro. Porque é. Tem vinte e três anos e vive meio em part-time
com a Lena, sua namorada de há três ou quatro meses. Depois dos habituais
cumprimentos, entrámos naquele prédio velho, descemos umas escadas e estávamos
no seu apartamento, onde eu não me ducharia nenhuma vez nas três noites em que
lá estive. Pá, se tenho de tomar banho de água fria na Índia num terraço
qualquer, ou na Tailândia à noite numa ilha paradisíaca como aconteceu no
passado, manda vir, não há crise. Mas se tenho de tomar banho de água fria na
Ucrânia num quarto-de-banho sem aquecimento, prefiro andar a cheirar à homem
uns diazitos mais. Entrando na casa damos com a cozinha. O quarto-de-banho está
do lado de quem entra, e seguindo em frente damos com um quarto, que está
ligado a outro sem porta. O Sergey e o seu colega de casa, que não estava lá
naqueles dias, pagam quarenta euros cada um, porque o senhorio é amigo deles.
Normalmente seriam duzentos euros, no total. É um bom preço comparado com
Portugal, mas é certo que as casas por onde tenho passado não são propriamente
modernas.
Sentámo-nos à mesa na cozinha enquanto o Sergey ia preparando a comida. Por
“preparando” refiro-me a cortar um alface. Comemos salada, algas, e uma cena
que era fixe, tipo pickles, mas tipo massa. Quando perguntei se era vegetariano
disse que era vegano cru. Isto é, não só não come carne (vegetariano) como não
come qualquer produto animal (vegano) como não come nada que seja cozinhado!
Conheço uma rapariga que também aderiu a isto, e não conheço mais ninguém. Mas
esta rapariga é alguém que nunca comeu carne na VIDA, passou a ser vegana aos
não sei quantos anos de idade e passado alguns anos passou a vegana cru. Já o
Sergey há seis meses ainda comia carne! Quando lhe perguntei as razões, sendo que
há que o faça pelo ambiente e os recursos que se gastam na produção de matérias
animais e há quem faça simplesmente pelos animais, disse-me que o fazia por uma
questão de saúde. Ainda comia pão, mas era algo que supostamente desapareceria.
Pá, assim sem investigar e dizer só a minha opinião sem mais nem menos, não
vejo o propósito. Não sei até que ponto é que é assim tão mais saudável. Mas é
a cena dele, e uma muito mais responsável do que a minha, posso dizer... E
assim jantámos salada três dias seguidos.
O Sergey tem vinte e três anos, tal como a sua namorada. São ambos
apaixonados do alpinismo e foi assim que se conheceram. Contudo, ele trabalha
como informático e ela outra cena assim aborrecida, o que é completamente
contrário às pessoas que me parecem ser. E é por isso mesmo que vão mudar de
ramo. Ele vai passar a ser tipo guia ou instrutor de alipinismo, o que me
parece altamente.
Uma cena que achei estranha foi o sistema militar que têm por cá. Têm de
cumprir o serviço até aos vinte e cinco anos de idade. Até aqui nada de
estranho. O que é estranho, para mim, é que só se pode tirar um passaporte
internacional (sendo que também têm passaporte nacional) se se tiver cumprido o
serviço militar.
- Se estás a estudar, por exemplo... podes tirar um passaporte
internacional e podes viajar. Mas quando esse expira, se já acabáste de
estudar, tens de fazer o serviço militar, caso contrário não podes tirar outro
passaporte internacional. Ou seja... com o teu passaporte nacional podes ir à
Rússia, e é isso...
- Então que vais fazer tu? O serviço militar?
- Não... o meu pai vai tentar falar com alguém para ver se conseguimos
pagar para me safar.
- Tipo... corrupção?
- Sim – respondeu, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Que pelos
vistos é, por estes lados.
Depois de jantar eles quiseram ver algumas fotografias da minha viagem
Daqui Ali. Fico sempre um bocado naquela, porque não quero aborrecer o pessoal.
Toda a gente sabe que não há nada mais aborrecido do que o pessoal que decide
que toda a gente tem de ver as suas
fotografias. Mas eles curtiram e a Lena ficou cheia de vontade de ir ao
Vietname...
dezanove
e cinquenta e quatro, domingo, onze de Março de dois mil e doze
algures
entre Sevastopol e Kiev, Ucrânia
Sem comentários:
Enviar um comentário