segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Poznan


Tinha de chegar até Poznan e tinha acordado tardíssimo. Mas pá, ia resultar, de uma maneira ou de outra. Não contava era com as complicações que ainda ia ter até chegar ao sítio da boleia.
               
Saí de casa, apanhei o metro até à estação de comboios, e pedi à senhora um bilhete para Ożarów Mazowiecki. Fui comer qualquer coisa, e meti-me no comboio que apareceu na linha que ela tinha indicado. Deixei-me ir, e a estação não aparecia. Pois nisto aparece o pica, pede o meu bilhete, e diz que eu devia ter mudado em Numseionde, e depois apanhar outro comboio para Ożarów Mazowiecki. E por isso tinha de pagar uma multa de doze euros. “Bela merda”, pensei. Está bem que a senhora seguramente não falava inglês, mas dava para mo dizer de qualquer forma. O pica era um jovem que falava inglês e era porreiro. Quando me perguntou se tinha dinheiro, menti, disse que não. Pá não me apetecia nada pagar uma multa daquelas, que nem tinha sido fruto de uma chico-espertisse. Pediu o meu passaporte, com o qual não fez nada. Vi que ele estava ali num dilema, e entretanto o comboio começou a parar. “Então se eu sair aqui vou para trás até Numseionde e lá apanhou outro não é?”, perguntei, como que assumindo que não ia levar a multa. Ele disse que sim, e saiu comigo. Disse para me meter na primeira carruagem do comboio que fosse em sentido contrário e lá comprar o bilhete com o pica. Depois saía passado não sei quantas paragens e ia para o lado contrário. Assim o fiz.
               
Pois estava já eu na estação onde apanharia o comboio para o meu destino, quando o méne aparece outra vez. “Ainda aqui estás?”, perguntou, surpreendido. É que já tinha passado um bom bocado. Pediu-me para ver o meu bilhete. Meto a mão ao bolso. E agora, distinguir entre as notas e o bilhete? Fiz um esforço, e saco de uma nota que equivalia a vinte euros. Isto quando eu tinha dito uma hora antes que não tinha dinheiro. O gajo olha para mim e diz, em inglês “sabes?...”, ao que eu respondo “sabes...”, com um arquear de sobrancelha. “Já passou o tempo limite do teu bilhete... vais ter de comprar outro...”, disse, com o bilhete na mão. Era só o que me faltava... Três bilhetes para uma viagem que devia ser p’rai de meia hora! Disse “ok, eu compro”, continuei à espera do comboio, entrei e não comprei bilhete nenhum.
               
Finalmente estava na estrada! Caminhei um pedaço, e comecei a sinalizar os carros. Não demorou muito até que um casal camaronês parou. Perguntaram se eu tinha dinheiro, disse que não, mas pedi para me levarem na mesma, coisa que fizeram. Quando me disseram que iam para Berlim, pensei que me tinha saído a sorte grande. Mas o gajo estava cansado, e iam parar para dormir, algures, pelo que só iam no dia seguinte. Nesse dia iam fazer uns cento e tal quilómetros. Ok, melhor que nada. Aliás, bem porreiro, é só que depois de pensar, por um segundo, que tinha arranjado uma boleia de seiscentos quilómetros, um gajo fica meio desiludido com cento e tal.
               
Deixaram-me numa rotunda. Estava um dia agradável. Fresco e solarengo. Caminhei um pedaço e fui esperar à saída de uma estação de serviço. Entrei num camião e segui. Este camionista, pobre, queria mesmo ajudar-me. Metemo-nos na autoestrada e sempre que passava outro camião ele punha-se aos berros através do walkie-talkie, a perguntar se o pessoal ia para Poznan. Nada. Deixou-me à saída da autoestrada, e plantei-me do outro lado, na entrada. O dia fresco e solarengo tinha-se tornado num dia desagradavelmente frio e chuvoso.
               
A maioria do pessoal ia para Varsóvia, mas passado p’rai uma hora e tal apareceu um méne que ia na minha direcção. E fui direitinho até Poznan. Um homem calado, talvez devido ao facto de não falar inglês, deixou-me no centro da cidade. Lá, encontrei um McDonalds para ver na net o número da Ewa, e comecei a pedir ao pessoal se podia usar o telemóvel deles. Não, não, não... Até que apareceu um sim. A Ewa disse para me meter no tram dezassete e sair passado cinco paragens.
               
Enquanto esperava um gajo veio pedir-me lume. Às tantas pergunta-me se eu estou ligado à arte. Digo-lhe que gosto de escrever e ficámos ali uns quinze minutos à conversa. O gajo era poeta, de estilo experimental. Perguntou se queria ir sair com ele e os amigos, e tive pena de dizer que não podia, sendo que tinha de me encontrar com a minha anfitriã. Mas curtia. E achei interessante a abordagem dele, assim sem mais nem menos perguntar se eu estou ligado à arte. Aliás, a maneira dele era uma daquelas que o mais cínico dos mortais classificaria de “meio maluca”. Mas era só um gajo, normal – simplesmente com uma abordagem diferente. Em vez de vir com aqueles couros de “és de onde?” e que tais, perguntou o que realmente lhe interessava.
               
Quando saí do tram a Ewa já estava à minha espera. Demos os “olás” do costume e seguimos para sua casa. “Vão cá estar umas amigas a beber uns copos e depois vamos sair. Importas-te?”, perguntou. Não, não me importo. E foi uma noite bestial. As amigas dela era muito porreiras e a Ewa uma miuda excelente. Não fazia falta mais um rapazola ali no meio para equilibrar a cena. Sei que seria o sonho de muito rapaz tuga, estar ali, mas é sempre fixe ter um camarada para destoar. Saímos lá p’rás Nãoseiquantas e andamos de bar em bar até às quatro ou cinco, não sei ao certo.
               
“Poznan é muito lindo”, dissera a Zofia. Pois eu não sei.
               
No dia seguinte segui para Berlim.

dezasseis e quarenta e quatro, terça, quinze de novembro de dois mil e doze
Vale de Cambra, Portugal

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