quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Berlim


Mais uma vez, acordei super-tarde. A distância não era muito longa, mas estava a descorar bastante aquela regra fundamental de “deitar tarde e cedo erguer faz a boleia acontecer”. Despedi-me do pessoal, e apanhei o tram que o hitchwiki me tinha indicado. Mas aquelas direcções não eram das melhores, e demorei um pedaço a ir terá estação de serviço que me aconselhava. Mas consegui. Não me parecia grande espingarda aquilo, porque ainda estava mais ou menos dentro da cidade. Mas lá me safei. Meti-me no carro de um senhor, que ainda ia um bom bocado, tive sorte. Ainda fomos fazer não sei quê a uma fábrica, e depois seguimos caminho. Passado quase uma hora o senhor deixou-me numa estação de serviço, andei mais um bocado com duas boleias e fiquei numa rotunda onde passavam muitos carros. Não era autoestrada, mas tinha um bom pressentimento. Apanhou-me um rapaz muito simpático, que falava inglês. Disse que ia uns bons quilómetros, mas que depois ainda me podia levar mais um pedaço, só precisava de trocar de carro. Assim, chegámos à sua fábrica, o méne foi deixar a sua carrinha, foi buscar o carro, e depois de irmos deixar um leitor de dvd a casa de um amigo, levou-me mais um pedaço. Pelo caminho ainda passámos por uma estátua gigante, cópia do Cristo-Rei e ainda maior que o do Rio de Janeiro. Depois, ainda, de passarmos pela sua vila para ma mostrar num instante, o rapaz deixou-me numa rotunda.
               
Esperei pouco mais de meia hora e parou o Tomasz, um dos gajos mais cool de toda a viagem. Um polaco de quarenta e seis anos, grande estilo, que passou quinze anos nos Estados Unidos e agora trabalhava na Polónia. Foi como se me tivesse visto no futuro. Ou pelo menos caracerísticas que gostava de manter. E ao dizer que ele é cool e é como se me tivesse visto no futuro, estou a dizer que sou cool. Mas não é bem assim – é como alguém que é muito religioso e conhece outra pessoa que é muito religiosa e a acha altamente.
               
O gajo ia direito a Berlim e fomos todo o caminho a conversar acerca de cenas como o materialismo, filosofias de VIDA, projectos, ideias, sonhos. Apesar de não me dar nada essa ideia, ele tinha sido Hare Krishna. “Iá, não podíamos ter sexo, nem fumar, bem beber... eu no sexo fazia batota...”, dizia-me.

Deixou-me em Berlim. Demos um forte abraço, trocámos contactos, e eu fui para o metro. Tinha no meu caderninho moribundo a estação de metro onde deveria ir ter. Ia ficar com o Sam, mas queria ir a uma conferência com o fundador do couchsurfing, acerca da empresa se tornar numa corporação. Cheguei lá tarde, porque ainda tive de ir a um netcafé ver as direcções, e depois caminhar p’rai uma hora. Assim, apanhei aquilo já numa fase avançada, e mais tarde abordarei isto.
               
Tinha mandado mensagem ao Sam nos entretantos, e foi por isso que, quando saí, o encontrei ali à espera. Foi fixe vê-lo, muito fixe, até porque gosto muito dele. Conheci o Sam já há um par de anos porque me albergou em Manchester. Demo-nos bem, e depois disto já nos encontrámos em Birmingham, depois outra vez em Manchester, e uma vez em Portugal. Foi através de nós que se criou uma espécie de aliança entre os couchsurfers de Birmingham e de Manchester. Chegou a uma altura em que o Sam já era amigo de pessoas que o tinham conhecido porque eram amigas de amigas de amigas minhas, e o pessoal movia-se em “massas” entre Birmingham e Manchester de acordo com a festa que houvesse.
               
Fomos comer qualquer coisa enquanto púnhamos a conversa em dia, e depois fomos ter com os restantes couchsurfers que foram da conferência para um bar. Ficámos aí uma horita e depois fomos ter com um amigo do Sam. Apareceu também o Martin, alemão que era o melhor amigo do Sam. Esteve em Manchester em erasmus e é um gajo que também curti muito desde o primeiro momento, quando o conheci na minha festa de anos em Birmingham, quando fiz vinte e seis.
               
- Pá umas das cenas que me fez vir para Berlim – dizia-me, antes, o Sam – foi ter aqui o Martin. Um gajo vai para outro país, ajuda sempre ter alguém que conhecemos, especialmente se é alguém com quem nos damos tão bem. Mas para dizer a verdade, é raro vê-lo...

- Tive aí um momento em que estive a bater um bocado mal... – dizia-me o Martin, mais tarde – Andei a viajar três meses pelos balcãs, e já estava a flipar um bocado. Sentia-me mal, parecia que não sabia onde estava... desorientado. Também pode ter sido de andar a fumar muita ganza, não sei... – fiquei a pensar nisso. Não tanto na cena da ganza, porque sei que em Manchester não fumava propriamente pouco, mas pelo facto de andar a viajar pela Europa três meses e ter batido um bocado mal. Pode ser que não seja para ele, simplesmente. Pode ser também que estive num período delicado da sua VIDA e aquela viagem viesse com mau timing. De todo o modo foi uma noite porreira e curti estar com eles de novo.
               
Era a minha terceira vez em Berlim. Toda a gente me falava maravilhas daquela capital, mas nunca me tinha fascinado especialmente. Senti que escapava algo. Contudo, talvez por estar já no final da minha viagem, não me apetecia andar aí a fazer turismo e ver cenas. Então, decidi, em vez de andar a ver Berlim, viver Berlim. Fazer exactamente o que o Sam faria de qualquer maneira. E isso resultou em eu curtir bués Berlim. Muita oferta para tudo. Se um gajo quiser teatro, música, seja o que for, de que estilo for, arranja-se. Claro que isto não é exclusivo desta capital, mas parece-me que a vertenta alternativa aqui é muito mais forte. Na tarde de sábado eles foram a uma exposição. Eram doze euros então eu fui dar uma volta. Era quinze de Outubro e estava marcado para esse dia a manifestaç.ao de solidariedade com o movimento de ocupar Wall Street. Andei por lá, um tanto ao quanto fascinado pela originalidade do que o pessoal fazia, fosse nas t-shirts, andar com aparelhagens em carrinhos de supermercado, ou pessoal com grande moca de MDMA a adorar correr para trás e para a frente de tronco nu a brincar com uma fita.
               
Encontrei-me com o Sam e a Nico quando saíram, despedimo-nos da Nico e eu e o Sam fomos dar uma volta assim meio à sorte pelas ruas. Tropeçamos num concerto de hip-hop e ficámos lá um pedaço, a beber uma cerveja. É outra cena que curto em Berlim. Pode beber-se, e toda a gente o faz, na rua. E não se vê pessoal a cair de bêbedo, nem pancada, nem nada dessas cenas que nos tentam convencer que existem. O que se vê é malta na boa, a ir de um lado para o outro, na sua, sem grandes stresses, mas com uma garrafa de cerveja na mão.
               
Depois fomos até casa do Robert, um alemão super bacano, de trinta e seis anos, que tinha conhecido na noite anterior. E tive aqui um daqueles momentos em que até tenho vergonha do que penso. O Robert é um gajo muito porreiro, com uma mentalidade uns quantos níveis acima dos demais. Aberto e sensível. Tem, também, um estilo alternativo – roupas largas e uma crista. Ora reparei, ao entrar em sua casa, que esperava que partilhasse o quarto com alguém, ou vivesse no sofá de um amigo, uma cena assim qualquer. É ridículo, mas não o imaginava com o seu próprio apartamento... pá são pensamentos que um gajo nem sabe que os tem. Não é malvado de minha parte pois, como disse, não houve uma decisão deliberado em entrar neste preconceito. Contudo, uma vez apercebendo-me disso, acho importante analisar a cena e tentar despir-me destas relações para momentos futuros.
               
De casa do Robert fomos para um barbeque. Uma noite fixe, tranquila.
               
Passámos o domingo na descontra e à noite fomos, com o Robert e outra miuda, a um bar que tem, em português, microfone aberto. Os gajos têm uma cavezinha com sistema de som e tudo o que é preciso para dar um mini concerto, o pessoal inscreve-se e toca duas músicas. Curti muito, e acho uma iniciativa espetacular. Claro que se fossem uns tamancos ali a tocar a cena não era a mesma. Mas não, eram muito bons.
               
Segunda-feira o destino era... hum, sei lá! O destino era o Luxemburgo, que estava a quase oitocentos quilómetros. Por isso mesmo, tinha sofá de reserva em Dortmund, a quinhentos. O que eu nunca pensei quando acordei nessa manhã foi que, sim, dormiria num sofá, mas de uma estação de serviço...

quarta, dezasseis e cinco, dezasseis de novembro de dois mil e doze
Furadouro, Portugal

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