segunda-feira, 25 de maio de 2015

Sinto-me só.

Ouço as trágicas músicas do Moby nesta praia deserta e sinto-me só. Não sei bem que hei-de fazer comigo mesmo. À minha volta só escuridão e um mar que vai enchendo, que vai esvaziando, que me vai dando uma banda sonora ao menos apaziguadora. Nem a lua me faz companhia. Mandou tudo às favas e não se passeia por estes lados.

Irónico... esta é daquelas situações que eu idealizei... eu, sozinho na praia, a cozinhar, a olhar para o mar, algures numa costa africana, sentado depois a ouvir música, a escrever... Mas este dia em que a vivo sinto-me distintamente só. Não sei se por ter passado ontem e hoje na companhia de um grupo neste mesmo cenário, se por não falar com a Graciete há uns dias, ou se por mera casualidade. Pois este sozinho que hoje me deixa a sentir só já várias vezes me assaltou sem só me fazer sentir. Assim sou, assim somos, mais ou menos... uns mais constantes, previsíveis ou controlados, outros mais tempestuosos e relâmpago, mas assim somos, assim andamos, cada um à deriva tentando aprimorar o nunca perfeito leme.

Quando me sinto assim, só, assalta-me a mente as limitações da minha VIDA. Aquele desespero de saber que acabará um dia afunda-me o estômago um pouco e penso em coisas bonitas para não me deixar levar. Penso em tudo o que já aconteceu, em tudo o que acontecerá e procuro um significado qualquer que una isto tudo. Não o encontro mas espero que me vá distraindo na procura.

São sete da tarde e a noite é escura e estelar. Com esta música que não ajuda, assaltam-me desejos assim de querer chorar um bocadinho, e sinto uma falta enorme dela. Penso no que fará neste preciso momento, em que pensará, penso que podia estar aqui, que eu podia estar lá.

Acho isto tudo profundamente, tristemente bonito. Estes sentimentos que aparecem inesperados, que não são apreciados, estas ideias e pensamentos que são imprevisíveis como sempre, todos estes bailares que me deixam, por vezes, estafado.

Mas agora estou aqui. E é só isso. Agora podia estar em quase qualquer canto do mundo, mas estou aqui, a ouvir os caranguejos à cata de possíveis restos de comida, o Moby e o mar. Sinto-me só e não me queria sentir assim. Mas é aqui que eu estou, e é assim que me sinto.

19h10, d, 17 Maio 2015
Cabo Ledo, Angola


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Amor

Como é que tu consegues?”, ouço tantas vezes. “Como é possível ir viajando e manter uma relação tanto tempo?”, o pessoal vai dizendo. Às vezes, em vez de perguntarem, exclamam qualquer coisa. Eu penso um bocado e analiso. Valerá a pena explicar ou dever-me-ei ficar pelo normal de “Ela é mesmo fixe”? Vou dentro e fora no pensamento e explico algo que sai na altura. O pessoal na maioria das vezes dizendo que sim com a cabeça, entendendo eu que não percebem realmente.

Como os posso julgar se eu próprio não o percebo assim tão bem?

Quis-me eu ser um rapaz lógico. Não pensando eu nisso, a lógica que me quis sempre me disse que haverá sempre um lugar melhor, um momento melhor... haverá sempre algo melhor para o lado de lá. E eu sempre fui andando, sempre à procura de algo melhor, algo mais bonito, algo mais fascinante. Nunca procurei uma namorada melhor, e ainda bem, pois tampouco a encontrei. Mas a lógica com a qual posso conversar diz-me que não tem grande sentido as milhares de raparigas que eu conheci não serem melhores do que aquela que encontrei num baile de finalistas do nono ano. Não, a lógica alia-se à lei da probabilidade, e depois àquela minha velha amiga que é a minha própria razão, o meu próprio sentido de ser que diz Tu não assentarás por comodidade.(Que alguém se livre de tal)

A minha razão. Aquela que me impele a ir, aquela que me impele a conhecer o mundo todo, aquela que me fode a cabeça de manhã à noite por não saber o que quer mas que o que quer estará naquela linha do tudo o que existe. Essa razão que eu tenho tem poucas certezas. Das poucas que tem, algumas são parvas, algumas meramente histórias. Outras tão fortes quanto o sentimento da beleza de ter um ser tão colado ao meu que me deixa perder os limites da minha própria pele.

Lógicas e leis matemáticas e razões perdem-se na inevitabilidade da realidade que vivo. Agora bêbedo, tantas vezes bêbedo, questiono os meus desígnios, a minha sorte. E depois tudo o que é real chove em mim e eu percebo que, não obstante tudo, o meu Amor não é o mesmo que naquela noite do nono ano. Que é algo que se vai alimentando de si mesmo, através de sorrisos, tropeções ou frases como “És um riquezo” que vão acontecendo e atropelando-me pelo caminho. Que a pessoa que me veio pedir para dançar nessa noite é a matéria prima da alma que a partir daí se formou. Que o que existe aqui existiria de qualquer maneira mas, quem sabe, e espero eu, sem a mesma graça.

E perguntam-me como é possível, podendo eu apenas questionar-me como seria possível desligar-me de alguém que me mantém vivo de tal forma. Como seria possível ter tudo na mão e decidir que preferia só um pouco de cada coisa?



Há noites em que adormeço e estou em casa. Outras em que adormeço tão longe. Neste tão longe de Luanda não há noite em que não ansiasse pelo conforto daquela perna de seda em cima da minha.

Villa Sul, Luanda, Angola
2h47, 4ª, 14-5-15


[Zé, desculpa a razia às Nocal's]

terça-feira, 12 de maio de 2015

Apreensão

Méne, méne, méne...

Estou em Matadi, na República Democrática do Congo. No Auberge Nationelle, o mais barato que encontrei, depois de uma noite naquela albergue de luxo onde se pagava um extra para dar um mergulho. Estes quinze dólares de hoje deram-me para uma cama bem larga, uma televisão que não funciona, duas cadeiras e um ar-condicionado que parece uma besta indomável. São oito e vinte e uma da noite e escrevia sobre a minha entrada neste país. Mas depois começou, aleatoriamente, a Creep, dos Radiohead, e os sentimentos afloraram. Decidi tentar por no “papel” a sinceridade de sentimentos que me têm visitado.

Não sei bem que se passa comigo, mas está a ser interessante a análise. Vejo estes sentimentos e ideias como se fosse um espectador e não tivesse nada a ver comigo. Sinto-os como se tivessem tudo a ver comigo, como têm, mas tento sair um bocado de mim para pensar neles.

Tenho-me sentido como se não tivesse viajado muito. Acho que a RDC é um cocktail de estórias contadas (nunca boas), misturado com a sua intensidade própria, as constantes tentativas de extorsão ao branco, a polícia corrupta e o o facto de eu ter estado quatro meses em Portugal. Caminho pelas ruas de manhã, à tarde, ou à noite, na boa, sem problema. Não me sinto ameaçado. Mas sinto-me atento e vigilante. As primeiras vezes que vi polícia na rua passei para o outro lado. Depois deixei de o fazer, mas esse comportamento primário diz algo. E amanhã vou para o tipo de aventura que, mesmo no melhor dos momentos desta viagem, sempre me geraram alguma apreensão – a passagem de fronteira. Acontece que vou passar a fronteira de dois países manifestamente corruptos. Ora eu até agora só paguei o suborno de entrada neste país, mais uma espécie de gratificação para a segunda entrada em Brazzaville. Mas sinto-me mais perto de quebrar amanhã se tal mo for exigido. Como se as pequenas frustrações ao longo dos tempos se tivessem juntado e me puxado para baixo um pouco... E o mais estúpido é que eu estou farto de saber que se nós temos determinada expectativa acerca do nosso próprio comportamento, é mais provável confirmá-la! Mas ainda assim, assim me sinto. Sinto-me com menos autoconfiança, porque sinto que tenho mais a perder. Estou entre a espada e a parede, na verdade, e isso não ajuda. Se me apertarem os calos e eu resistir e não me deixarem sair deste país, só tenho mais um dia no meu visto. O mesmo se não me deixarem entrar em Angola.

Depois paro de repente. “Foda-se”, penso, “Será que não estou a fazer grande filme?”. E fico sem saber. Penso em relatos que li e não fico muito agradado com as estórias de pedidos de suborno. Anima-me um bocado ler como as pessoas se safaram sem pagar, mas depois penso que talvez quem não se tenha safado não se tenha dado ao luxo de partilhar a estória.

Sei isto... sei que, sinta o que sentir, o que importo é o que faço. E o que vou fazer é estudar a situação e tentar passar para o lado de lá sem dar um chavo. Estou consciente de que as minhas estranhas e talvez raras circunstâncias sentimentais talvez me atrasem um pouco, mas tentarei manter-me à tona apesar dos seus pesos.

É isto a viagem, méne... carrossel do sentimento, foda-se!

Que venham.

20h33, 3ª, 5 de Maio 2015
Matadi, RDC