domingo, 26 de fevereiro de 2012

Targu-Mures


Estou em viagem há três noites e é uma loucura... parece-me mesmo que já ando por aqui há duas semanas... Talvez seja por isso que uma pessoa cresce a viajar – o tempo desdobra-se.

Na quarta-feira deixei Birmingham e fui para Luton. Acho que nunca tinha voado daquele pequeno aeroporto, mas tem bastantes voos, incluindo low-costs para Istambul, o que é sempre bom saber. Talvez voe para aí brevemente. É que, como o título do blog indica, curtia acabar de visitar os países que me faltam na Europa, e há ali um conjunto deles cuja forma mais barata de alcançar talvez fosse voar para Istambul e boleiar dois ou três dias até a Geórgia. Depois Azerbaijaão e Arménia. E desse lado ainda faltaria o Casaquiastão. Não percebo porque é que são considerados Europa. Se a Turquia é a porta da Ásia, então estes países estão onde?

Foi uma noite como esperava – practicamente sem dormir. Comi umas sandes que tinha trazido de Birmigham, vi um filme, arranjei umas fotos... ia tentando

Acabei de entrar na Moldávia. Tinham-me dito que a Moldávia tinha estradas terríveis. Efectivamente, não posso escrever mais – parece que estou de volta às montanhas paquistanesas.

Ia tentando fechar os olhos de vez em quando, mas nada. Isto até que o gajo veio lá dizer que não podíamos dormir nos sofás da Starbucks. Porquê? Sei lá porquê... Assim tive de bazar de onde estava e passei algumas horas meio a dormir, meio acordado, até que chegou à hora. Estava um bocado receoso que pegassem com o tamanho da minha mochila, que até cabe naquelas cenas onde é suposto caberem, mas com algum esforço. Foi tudo tranquilo. No avião acho que dormir p’rai meia hora.

Contudo, quando aterrei, não sentia na pele que tinha dormido tão pouco. O que sentia na pele era um calor estranho e inesperado. É que fazia duas semanas tinham estado menos vinte e tal graus por aquelas paragens. Cheguei a amaldiçoar o meu timing porque na Ucr;ania chegou aos menos trinta e tal graus... mas parece que tive sorte, e acabou por ser perfeito. As temperaturas mínimas andam por volta dos menos sete graus.

Sentei-me lá num canto ao sol dez minutos a pensar um bocadito no que fazer. Assim, troquei dinheiro, e decidi tentar a boleia até à cidade de Targu-Mures. Foi logo à primeira. Entrei na estrada e avistei uma mulher e um gajo que se viria a revelar meio maluco. Abordaram um carro, eu aproximei-me e fomos os três no mesmo bólide. Eu ia atrás com aquele gajo, que falava como se fosse surdo, misturando inglês com romeno e pedindo um “dá cá mais cinco” a cada minuto. Dizia que tinha um filho português chamado Pedro e chegou a dizer que era casado com a Lady Gaga. Eu ia sorrindo e dizendo que sim e essas cenas que um gajo diz. Depois começou a falar do seu culto, e do sol por detrás do sol e dos animais e um certo “Leo” nas suas costas, que eu pensava ser uma tatuagem com o homem vitruviano mas que era só uma imagem de um leão... na sua camisola. Depois convidou-me para uma festa qualquer de trance, deu-me o facebook dele, que eu entretanto esqueci...

O Istvan, húngaro que me deu boleia, deixou-me no centro. Fui para o McDonald’s porque é o melhor sítio para se encontrar internet e a maior parte das vezes eles não se interessam se compramos alguma cena ou não. Liguei pelo computador à Diana, a minha anfitriã, e ela apareceu passado meia hora.

A Diana é uma miúda bonita, cabelo louro comprido, olhos cor de mel com o sonho de ir viver para o Malawi. Percebi, e ela confirmou, que não passava dificuldades. Tinha o seu próprio carro e vivia com o seu noivo num apartamento porreiro mesmo no centro da cidade. Ficámos um bocado à conversa antes de eu ir dar uma volta. Tinha estudado direito mas depois acabou por desistir, por ter percebido que aquilo não era para ela. Tinha feito voluntariado numa ilha nas caraíbas e no Malawi, país por que se apaixonou. Estava um bocado desiludida com os valores que temos na Europa e pela maneira como as pessoas se relacionam.

- Os meus amigos chamam-me falsa... – dizia – porque eu digo que o dinheiro não é importante e apesar disso tenho um carro, e um apartamento, e não fiz nada por isso... mas isso não quer dizer que seja uma pessoa superficial e materialista – e é verdade. Só que às vezes o pessoal gosta de usar tudo o que pode para atacar alguém ou para desvirtuar os seus argumentos. E apesar de eu próprio não considerar o dinheiro uma prioridade, não curto o pessoal que parece odiar a malta rica. Não é o que temos, ou o que deixamos de ter, que nos define, mas a maneira como deixamos, ou não, que isso influencie a nossa maneira de ser e de ver as coisas.
- Mas pensas ir para o Malawi de vez? Para ficar lá? Que vais fazer?
- Não sei... comprar um pedaço de terra, ajudar as comunidades locais...
- Uau... parece fixe, mas eu não quereria deixar Portugal sem perspectivas de voltar – disse. – Mesmo que fosse com a minha namorada, ia deixar os meus amigos e família. Ia sem problemas uns anos, mas gostava de saber que, eventualmente, envelheceria em Portugal.
- Pois para mim não é assim... porque sinto que os meus amigos de cá não são na verdade tão amigos assim... Isto é, sinto que não me compreendem... E quando lhes falo dos meus projectos tentam sempre mandá-los abaixo, seja a dizer que também posso ajudar as comunidades desfavorecidas na Roménia, que sou falsa porque tenho dinheiro, e cenas assim – respondeu.

Eu não sinto isso com os meus amigos, pois acho que, na sua maioria, são pessoal inteligente e que desafia. Todavia, percebo perfeitamente o que quer dizer. Quando lhe perguntei se ela sentia falta de alguém que a inspirasse, disse que sim. E isso eu sinto, por vezes. Antes de ir para a Roménia estive uma noite em Manchester e outra em Sheffield. Em Manchester fiquei com a Mika, uma grega que tinha conhecido há um par de anos e que veio passar uma semana a Portugal juntamente com outro pessoal. Calhou de, nessa noite, ser o dia da reunião do grupo anarquista em que ela está inserida. Encontrei-a e fomos directos a uma casa de ocupas. E curti ouvir pessoal que não tem nada a ver com o sistema, que aliás, se quer separar do mesmo. Pessoal que pensa por si próprio (o que é diferente de dizer que não é influenciado, porque todos somos influenciados) e que tem um espírito crítico e vontade de mudança. Um deles era, inclusive, o que se chama um homem-livre. Não existia para o sistema, não tinha nenhuma identificação, conta bancária, nada. Pena é que, sendo um homem-livre para o sistema, não é um homem livre para viajar, porque neste mundo já nada novo, precisámos de papeis para atravessar linhas que gostamos de chamar fronteiras. Na noite seguinte, em Sheffield, fui albergado por pessoal que vivia numa cooperativa. A cooperativa era a casa onde viviam. Mas nenhum deles seria dono da mesma. Pagando a renda da casa pagariam o empréstimo que pediram a um banco (após investigarem quais os “bancos-éticos”) e a casa seria como que dona de si mesma. Era pessoal que nunca voava e vegano, mas sem ser daqueles irritantes que nos querem convencer que são as melhores pessoas do mundo. A profissão do meu anfitrião, o Daniele, consistia em averiguar quem tinha árvores cujos frutos não fossem ser comidos, reuni-los e depois distribuir, fosse a sem-abrigos ou a quem precisasse.

E é precisamente falta de encontrar pessoal assim que eu sinto por vezes quando estou em Portugal. Pessoal que venha com ideias novas. Não têm de ser ideias que eu curta ou queira para a minha VIDA, só têm de ser ideias diferentes, cenas que me estimulem e me deixem a pensar para, mais tarde, ter eu próprio a minha decisão. Porque sinto que somos um bocado todos iguais... E sinto que às vezes quando venho com as minhas ideias que não são necessariamente a norma, ou não sou levado a sério ou sou tomado como idílico ou sonhador...

catorze e quarenta e seis, domingo, vinte e seis de fevereiro de dois mil e doze
Chisinau, Moldávia

1 comentário:

  1. :) Temos de abrir a nossa mente! olhar em volta! Questionar! Sentir! e Reflectir! *
    - Graciete -

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